por Vicente Javier Clemente-Suárez, Ana Isabel Beltrán-Velasco, Silvia Herrero-Roldán, Stephanie Rodriguez-Besteiro,Ismael Martínez-Guardado,Alexandra Martín-Rodríguez, José Francisco Tornero-Aguilera
Resumo
A crescente ubiquidade dos dispositivos digitais na infância ultrapassou a compreensão de seus efeitos no desenvolvimento cognitivo, criando uma lacuna significativa na pesquisa sobre seu impacto a longo prazo. Objetivo: A presente visão geral narrativa explorou a complexa relação entre o uso de dispositivos digitais e o desenvolvimento cognitivo na infância. Métodos: Realizamos uma busca bibliográfica abrangente em vários bancos de dados, incluindo PubMed, Embase, Scopus e Web of Science, para avaliar criticamente domínios cognitivos como atenção, memória, funções executivas, habilidades de resolução de problemas e cognição social. Incorporando mais de 157 estudos revisados por pares publicados entre 2001 e 2024, utilizamos critérios rigorosos de inclusão e exclusão para garantir o rigor científico. Resultados: A revisão integrou descobertas empíricas com arcabouços teóricos estabelecidos, particularmente do desenvolvimento cognitivo e da psicologia da mídia, para destacar as vantagens e os riscos da exposição precoce e frequente à tecnologia. O potencial dos dispositivos digitais para aprimorar habilidades cognitivas, como multitarefa e processamento de informações, foi ponderado em relação a riscos como sobrecarga cognitiva, diminuição da capacidade de atenção e comprometimento das habilidades sociais. Também examinamos os resultados psicológicos e comportamentais, incluindo a formação da identidade, a regulação emocional e os comportamentos desadaptativos associados ao tempo excessivo de tela. Além disso, identificamos estratégias para mitigar os efeitos negativos, enfatizando o engajamento digital estruturado e o envolvimento parental para apoiar o crescimento cognitivo e psicológico saudável. Nossas descobertas forneceram recomendações práticas para pais, educadores e formuladores de políticas, promovendo práticas digitais ideais que aprimoram o desenvolvimento cognitivo e, ao mesmo tempo, protegem contra potenciais danos. Conclusões: A revisão ofereceu insights essenciais para as partes interessadas no desenvolvimento infantil, na educação e na formulação de políticas, destacando a necessidade de uma integração equilibrada de ferramentas digitais em ambientes de aprendizagem infantil.
Palavras-chave:
uso de dispositivos digitais; desenvolvimento cognitivo infantil; atenção; memória; funções executivas; resiliência psicológica; tecnologia educacional
1. Introdução ao uso de dispositivos digitais e ao desenvolvimento cognitivo infantil
Nos últimos anos, a rápida integração de dispositivos digitais na vida diária remodelou significativamente os ambientes em que as crianças se desenvolvem, gerando preocupações sobre seu impacto no crescimento cognitivo. Embora a exposição precoce e frequente a dispositivos digitais, como smartphones, tablets e computadores, tenha sido aclamada por oferecer melhorias cognitivas, um crescente corpo de evidências sugere que uma grande exposição também pode acarretar riscos substanciais. Um estudo de 2021, por exemplo, descobriu que as crianças estão adquirindo seus primeiros telefones em uma idade média de 12,2 anos, marcando uma mudança crítica no momento e na intensidade do envolvimento digital. Assim, uma tendência de aceleração necessita de uma exploração matizada das ramificações cognitivas positivas e negativas da mudança.
No entanto, o corpo atual de literatura apresenta resultados conflitantes. Embora os dispositivos digitais ofereçam oportunidades de engajamento cognitivo por meio de plataformas educacionais interativas, preocupações estão surgindo sobre seu potencial de prejudicar funções cognitivas, como atenção, memória e desenvolvimento socioemocional, especialmente quando o uso é excessivo ou desregulado. Tal dualidade — a tecnologia como um meio de aprimoramento cognitivo e um potencial impedimento — complica nossa compreensão de seu impacto. O desenvolvimento cognitivo tem sido historicamente influenciado por vários fatores ambientais, incluindo status socioeconômico, educação e engajamento parental. A era digital, no entanto, introduz uma variável sem precedentes — a tecnologia — que se cruza com esses fatores de maneiras complexas e frequentemente mal compreendidas. Pesquisas mostraram que os dispositivos digitais podem apoiar o crescimento cognitivo ou exacerbar os desafios de desenvolvimento, dependendo do contexto, conteúdo e duração do uso.
A natureza dupla do impacto da tecnologia é particularmente evidente ao examinar sua influência em domínios cognitivos como atenção, memória, funções executivas e cognição social. Por um lado, experiências digitais interativas, incluindo videogames, têm sido associadas a melhorias nas habilidades visoespaciais e na flexibilidade cognitiva. Aplicativos educacionais prometem promover habilidades de resolução de problemas e raciocínio lógico. Por outro lado, o tempo prolongado de tela tem sido correlacionado a déficits de atenção, desempenho acadêmico reduzido e habilidades de interação social enfraquecidas. Essas descobertas conflitantes enfatizam a necessidade de uma investigação equilibrada e dependente do contexto de como os dispositivos digitais podem promover ou dificultar o desenvolvimento cognitivo.
Além disso, a relação entre o uso de dispositivos digitais e o desenvolvimento cognitivo não é uniforme, pois é modulada por diferenças individuais e fatores contextuais. Estes incluem a natureza do conteúdo consumido, o envolvimento interativo versus passivo com o dispositivo e o deslocamento de outras atividades de desenvolvimento. Por exemplo, a hipótese do deslocamento postula que o tempo de tela pode deslocar o tempo gasto em atividades cognitivamente benéficas, como leitura e interação face a face, levando a potenciais atrasos no desenvolvimento. Uma compreensão abrangente comprova ainda mais a necessidade de um exame direcionado da interação entre dispositivos digitais e esses diversos contextos de desenvolvimento.
Além das implicações cognitivas, os dispositivos digitais também desempenham um papel significativo na formação do desenvolvimento psicológico das crianças. Por meio das mídias sociais e outras plataformas online, as crianças se envolvem na formação da identidade, na compreensão emocional e no desenvolvimento da autoestima, muitas vezes com implicações de longo alcance. Por exemplo, embora as plataformas de mídia social possam fornecer oportunidades de interação social e autoexpressão, elas também apresentam riscos relacionados a comportamentos desadaptativos, como controle de impulso reduzido, isolamento social e sintomas semelhantes aos de vício associados ao uso excessivo de dispositivos. As ramificações psicológicas do envolvimento digital são, portanto, tão cruciais quanto os efeitos cognitivos e justificam uma exploração abrangente.
Dadas essas complexidades, nossa pesquisa visa fornecer uma compreensão completa dos riscos e benefícios associados ao uso de dispositivos digitais na infância. Reconhecemos a urgência de sintetizar a pesquisa atual para oferecer recomendações práticas para mitigar riscos potenciais e, ao mesmo tempo, otimizar os benefícios. A necessidade de abordagens estratégicas para gerenciar o tempo de tela, selecionar conteúdo apropriado e equilibrar o uso digital com outras atividades enriquecedoras nunca foi tão urgente. Educadores, pais e formuladores de políticas desempenham um papel essencial para garantir que a tecnologia digital apoie, em vez de dificultar, o desenvolvimento cognitivo e psicológico das crianças.
Em conclusão, a relação entre o uso de dispositivos digitais e o desenvolvimento cognitivo infantil é complexa e multidimensional. Esta revisão visa fornecer uma síntese abrangente da literatura existente para destacar onde mais pesquisas são necessárias, oferecendo insights valiosos para as partes interessadas no desenvolvimento infantil. Ao compreender o duplo potencial dos dispositivos digitais para aprimorar e impedir os resultados cognitivos e psicológicos, podemos navegar melhor pelos desafios de criar e educar crianças na era digital.
Materiais e métodos
A metodologia para a revisão narrativa acima foi organizada em torno de uma extensa busca bibliográfica utilizando fontes primárias e secundárias. Empregamos uma variedade de artigos acadêmicos, índices bibliográficos e bases de dados acadêmicas, incluindo PubMed, Embase, Scopus, SciELO, Science Direct e Web of Science. Nossa busca utilizou palavras-chave compatíveis com MeSH, como “uso de dispositivos digitais”, “desenvolvimento cognitivo na infância”, “habilidades cognitivas”, “funções executivas” e “cognição social”, juntamente com termos que refletem impactos psicológicos, como “capacidade de atenção”, “memória” e “desempenho acadêmico”. O escopo da revisão bibliográfica foi de 2001 a 2024, integrando estudos fundamentais de décadas anteriores conforme necessário para fornecer contexto e profundidade à análise.
A partir de um conjunto inicial de mais de 2.158 artigos, aplicamos critérios de exclusão rigorosos para refinar a coleta. Esses critérios incluíram: (i) relevância para os tópicos centrais do impacto dos dispositivos digitais no desenvolvimento cognitivo e psicológico em crianças, excluindo estudos focados em condições médicas ou psicológicas não relacionadas; e (ii) exclusão de materiais não revisados por pares, como dissertações de doutorado, anais de congressos e estudos não publicados. O processo acima foi crucial para garantir a integridade científica e a pertinência dos estudos incorporados.
Após a aplicação desses critérios, removemos as entradas duplicadas e selecionamos os artigos restantes com base em seus resumos. Isso resultou na seleção de 300 artigos para avaliação do texto completo. Após a fase final de seleção, 157 artigos foram incluídos na revisão, pois atenderam aos altos padrões metodológicos exigidos para inclusão. Esses estudos foram revisados criticamente e discutidos entre os oito autores, com cada subtópico sendo atribuído e decidido por consenso. Essa abordagem colaborativa garantiu uma análise abrangente e multidisciplinar da pesquisa selecionada, fornecendo uma síntese robusta de como os dispositivos digitais influenciam o desenvolvimento cognitivo e psicológico na infância.
Para aumentar a transparência e fornecer uma visão geral clara do processo de triagem, incluímos um fluxograma PRISMA (ver Figura 1). O diagrama ilustra as diferentes etapas do processo de revisão, desde a identificação inicial dos artigos até a seleção final dos estudos. O diagrama mostra o fluxo de informações, incluindo o número de registros identificados, triados e excluídos, bem como os estudos finais incluídos na revisão. A figura ajuda a visualizar a abordagem sistemática que utilizamos para refinar a literatura para nossa revisão narrativa, apesar de sua flexibilidade inerente em comparação com uma revisão sistemática.

Nosso protocolo de revisão foi meticulosamente elaborado para abranger uma ampla gama de impactos, desde o aprimoramento das habilidades cognitivas até riscos potenciais, como redução da capacidade de atenção e déficits em habilidades sociais. Ao integrar uma gama diversificada de descobertas, esta revisão narrativa visa fornecer uma perspectiva equilibrada sobre a complexa interação entre o uso de dispositivos digitais e o desenvolvimento infantil, tornando-se um recurso valioso para educadores, pais, formuladores de políticas e pesquisadores na área do desenvolvimento infantil.
2. Resultados
2.1. Referencial Teórico: Compreendendo a Influência dos Dispositivos Digitais na Cognição
A exploração de como os dispositivos digitais impactam o desenvolvimento cognitivo necessita de uma compreensão multifacetada, baseada em perspectivas psicológicas e neurofisiológicas. O modelo delineia os mecanismos pelos quais a mídia digital impacta o desenvolvimento do cérebro, as funções cognitivas e os resultados comportamentais, sintetizando insights da psicologia do desenvolvimento, da neurociência cognitiva e da fisiologia clínica.
2.1.1. Fundamentos Neurofisiológicos
Do ponto de vista neurofisiológico, a interação precoce e contínua com dispositivos digitais influencia significativamente a plasticidade neural — a capacidade do cérebro de se reorganizar formando novas conexões neurais ao longo da vida. Essa adaptabilidade é fundamental na forma como o cérebro modifica suas atividades em resposta a estímulos ambientais, o que, no contexto do uso de dispositivos digitais, inclui entradas complexas e rápidas de interações baseadas em telas.
A plasticidade neural envolve várias vias moleculares importantes, com destaque para a regulação de neurotransmissores e fatores neurotróficos. Por exemplo, o envolvimento com conteúdo digital requer e estimula os sistemas visual e cognitivo, levando a um aumento na liberação de neurotransmissores como dopamina e glutamato. A dopamina, um neurotransmissor ligado aos circuitos de recompensa e prazer, desempenha um papel fundamental nos mecanismos de aprendizagem e atenção. As interações frequentes e estimulantes oferecidas pelos dispositivos digitais podem levar a uma liberação aumentada de dopamina, o que, ao longo do tempo, pode contribuir para comportamentos de formação de hábitos semelhantes aos observados no vício. Além disso, o aumento da atividade da dopamina pode afetar a capacidade do cérebro de regular a atenção e pode prejudicar as funções executivas devido ao seu impacto no córtex pré-frontal, uma área-chave envolvida na tomada de decisões e no controle cognitivo.
Outro aspecto crucial é o papel do fator neurotrófico derivado do cérebro (BDNF), uma proteína que auxilia no crescimento dos neurônios e na plasticidade sináptica. Os níveis de BDNF podem ser modulados pela atividade sensorial e cognitiva, que é abundante durante interações com dispositivos digitais. O aumento das demandas cognitivas decorrentes de multitarefas e do rápido processamento de informações associado à mídia digital pode elevar a expressão do BDNF, influenciando assim a conectividade e a plasticidade neurais. Tal mecanismo sugere uma maneira pela qual o uso de dispositivos digitais pode aprimorar funções cognitivas, como as habilidades visoespaciais.
No entanto, os mesmos mecanismos que potencialmente melhoram certas habilidades cognitivas também podem levar a resultados negativos. A exposição prolongada à multitarefa baseada em tela pode sobrecarregar a capacidade cognitiva do cérebro, levando a uma redução na eficiência dos circuitos neurais envolvidos no pensamento profundo e focado e na atenção sustentada. Isso está alinhado com pesquisas que indicam uma redução na duração do período de atenção e uma escalada nos desafios de troca de tarefas, que são cada vez mais prevalentes com o aumento do uso de dispositivos digitais. Além disso, o uso excessivo de tais dispositivos, particularmente aqueles que exigem resposta rápida a estímulos, desafia as funções executivas do cérebro, incluindo flexibilidade cognitiva, memória de trabalho e controle inibitório. Estes são essenciais para o comportamento direcionado a objetivos e são cruciais para gerenciar situações novas e complexas de forma eficiente. Assim, o impacto neurofisiológico dos dispositivos digitais na cognição abrange uma interação complexa de entrada sensorial e cognitiva aprimorada, atividade neurotransmissora aumentada e suporte neurotrófico alterado. Essas influências podem levar tanto ao aprimoramento de certas habilidades cognitivas quanto ao comprometimento de outras, particularmente aquelas relacionadas à atenção e à função executiva.
2.1.2. Impacto psicológico
De uma perspectiva psicológica, o impacto dos dispositivos digitais na cognição pode ser analisado por meio da teoria da carga cognitiva. Ela sugere que a capacidade da memória de trabalho é limitada e que uma sobrecarga de informações pode levar à diminuição da capacidade de aprendizagem e retenção. Dispositivos digitais, com sua capacidade de fornecer múltiplos fluxos de informações simultaneamente, podem frequentemente exceder as capacidades de processamento do cérebro, particularmente em crianças pequenas, cujos sistemas cognitivos ainda estão em estágios de desenvolvimento.
O uso generalizado de dispositivos digitais introduz um ambiente caracterizado por atenção parcial contínua, onde o foco da criança é dividido entre múltiplas tarefas simultaneamente. Assim, a exposição pode influenciar profundamente o desenvolvimento das capacidades de atenção. Em ambientes dominados por estímulos rápidos e chamativos de telas, as crianças podem achar cada vez mais desafiador se envolver em atenção sustentada ou desenvolver capacidades de processamento profundas, que são cruciais para a compreensão e integração de tarefas cognitivas complexas. Além disso, os dispositivos digitais afetam o desenvolvimento e a operação das funções executivas, que são processos cognitivos de nível superior que regulam e gerenciam outros processos cognitivos. Essas funções incluem habilidades como resolução de problemas, memória e flexibilidade cognitiva, que são essenciais não apenas para o sucesso acadêmico, mas também para a tomada de decisões diárias e resolução de problemas. O impacto dos dispositivos digitais nessas funções demonstrou ser dualístico. Embora certas atividades digitais, como jogos educativos e aplicativos de resolução de problemas, possam aprimorar essas habilidades, o uso excessivo ou mal direcionado de dispositivos digitais pode prejudicá-las (Figura 1). Por exemplo, o envolvimento habitual com jogos rápidos e multitarefas pode melhorar os tempos de resposta e a flexibilidade cognitiva, mas ao custo de uma capacidade diminuída de atenção focada e sustentada e de um processamento cognitivo mais profundo.
O impacto psicológico também se reflete na forma como os dispositivos digitais moldam o desenvolvimento cognitivo por meio de padrões de uso habitual. Quando os dispositivos são usados excessivamente para entretenimento, como assistir a vídeos ou jogar jogos não educativos, podem contribuir para a sobrecarga cognitiva, o que dificulta o desenvolvimento da retenção da memória e os processos de aprendizagem. Assim, a sobrecarga cognitiva é particularmente prejudicial durante os estágios iniciais do desenvolvimento, quando as habilidades cognitivas e de aprendizagem fundamentais estão sendo estabelecidas (Figura 2).

Além disso, a interação entre o uso de dispositivos digitais e o desenvolvimento cognitivo é influenciada pela natureza do conteúdo digital e pelo contexto em que os dispositivos são usados. Conteúdo educacional projetado para ser interativo e aquele que promove o pensamento crítico e a resolução de problemas pode apoiar o desenvolvimento cognitivo. Em contraste, o consumo passivo de conteúdo, como assistir a vídeos por períodos prolongados ou usar aplicativos excessivamente estimulantes, não contribui de forma semelhante e pode até prejudicar a capacidade cognitiva e o desenvolvimento das funções executivas. Assim, embora os dispositivos digitais sejam essenciais para a aprendizagem e o desenvolvimento modernos, seu impacto nos processos cognitivos é complexo e exige um gerenciamento cuidadoso para otimizar os resultados do desenvolvimento cognitivo. Equilibrar o conteúdo, o contexto e a duração do uso do dispositivo é essencial para aproveitar os benefícios da tecnologia e, ao mesmo tempo, mitigar os riscos associados à sobrecarga cognitiva e ao potencial comprometimento de funções cognitivas essenciais.
2.1.3. Considerações sobre o desenvolvimento
A psicologia do desenvolvimento fornece insights cruciais sobre o momento e o contexto da exposição a dispositivos digitais e como esses fatores podem influenciar os resultados cognitivos em crianças. De acordo com a teoria do desenvolvimento cognitivo de Jean Piaget, experiências ativas e práticas são essenciais para o crescimento cognitivo em vários estágios de desenvolvimento. Piaget postulou que as crianças progridem por uma série de estágios de desenvolvimento cognitivo, cada um caracterizado por diferentes habilidades e maneiras de pensar. O estágio sensório-motor (do nascimento até cerca de 2 anos) e o estágio pré-operacional (idades de 2 a 7) enfatizam a interação física com o ambiente e a brincadeira simbólica, respectivamente. Esses estágios são críticos para o desenvolvimento de habilidades sensório-motoras, pensamento lógico e habilidades de resolução de problemas.
Os dispositivos digitais, embora benéficos em certos contextos, podem, por vezes, substituir estas oportunidades essenciais de aprendizagem prática. Quando o tempo de ecrã suplanta atividades como brincadeiras físicas, aprendizagem interativa e interações sociais presenciais, pode impedir o desenvolvimento de competências cognitivas críticas. Por exemplo, a investigação demonstrou que o tempo excessivo de ecrã está associado a atrasos no desenvolvimento da linguagem, o que é particularmente pronunciado em crianças pequenas que necessitam de interações verbais para a aquisição da linguagem. Além disso, um estudo de Huber et al. (2018) descobriu que as crianças que se envolviam mais frequentemente com dispositivos digitais apresentavam níveis mais baixos de função executiva, incluindo memória de trabalho e controlo inibitório mais fracos, em comparação com aquelas que se envolviam em atividades lúdicas mais tradicionais.
A teoria sociocultural do desenvolvimento cognitivo de Lev Vygotsky ressalta a importância das interações sociais no processo de desenvolvimento. Vygotsky argumentou que o desenvolvimento cognitivo é amplamente impulsionado pelas interações sociais e que a aprendizagem é fundamentalmente um processo social. De acordo com sua teoria, as crianças aprendem por meio da participação guiada e de diálogos colaborativos com outras pessoas mais informadas, como pais, professores e colegas. Os dispositivos digitais, embora ofereçam novos caminhos para a interação social por meio de mídias sociais e jogos online, também podem reduzir as interações face a face. Tal redução pode dificultar o desenvolvimento da cognição social, da empatia e das habilidades de regulação emocional, que são promovidas por meio do contato humano direto e da socialização.
O potencial impacto negativo dos dispositivos digitais no desenvolvimento social é apoiado por pesquisas empíricas. Por exemplo, um estudo de Twenge e Campbell (2018) relatou que o aumento do tempo de tela estava associado a um menor bem-estar psicológico, incluindo níveis mais elevados de solidão e depressão entre adolescentes. Essas descobertas sugerem que, embora as interações digitais possam complementar as interações sociais tradicionais, elas não podem substituir totalmente os benefícios da comunicação face a face. Além disso, um estudo longitudinal de Przybylski e Weinstein (2017) indicou que o uso moderado de dispositivos digitais não era prejudicial e poderia ser benéfico, mas o uso excessivo estava correlacionado com a diminuição do bem-estar e habilidades sociais prejudicadas.
O contexto em que os dispositivos digitais são usados também desempenha um papel crucial no seu impacto no desenvolvimento cognitivo. O uso estruturado e educativo de dispositivos digitais pode apoiar a aprendizagem e o desenvolvimento cognitivo. Por exemplo, aplicações educativas interativas concebidas para promover competências de literacia e de numeracia podem ser ferramentas eficazes para a aprendizagem. No entanto, a utilização não estruturada e passiva, como assistir a vídeos sem qualquer componente interativo, tem menos probabilidades de ser benéfica e pode até ser prejudicial. Uma meta-análise concluiu que a eficácia das ferramentas de aprendizagem digital é significativamente influenciada pela forma como são integradas no ambiente de aprendizagem, sendo as utilizações mais interativas e guiadas mais eficazes. Além disso, o momento da exposição ao dispositivo digital é crítico. A primeira infância é um período de rápido desenvolvimento cerebral, e o tempo excessivo em frente ao ecrã durante estes anos de formação pode ter impactos duradouros. A Academia Americana de Pediatria (AAP) recomenda que crianças com menos de 18 meses evitem a utilização de meios de comunicação em ecrã que não sejam conversas por vídeo e que as crianças dos 2 aos 5 anos devem ter uma programação de alta qualidade limitada a uma hora por dia. Estas diretrizes enfatizam a necessidade do envolvimento dos pais para garantir que o uso de dispositivos digitais seja apropriado e benéfico.
Assim, considerações sobre o desenvolvimento destacam a importância de equilibrar o uso de dispositivos digitais com experiências tradicionais de aprendizagem prática e interações sociais presenciais. Embora os dispositivos digitais possam oferecer oportunidades educacionais valiosas, eles não devem substituir as atividades essenciais que apoiam o desenvolvimento cognitivo e social. Garantir que o uso de dispositivos digitais seja estruturado, interativo e de duração limitada pode ajudar a maximizar os benefícios, ao mesmo tempo em que mitiga os riscos potenciais. Portanto, uma abordagem equilibrada é essencial para promover o desenvolvimento cognitivo e social saudável em crianças.
Fonte: https://www.mdpi.com/2227-9067/11/11/1299