David Kaplan é supervisor do novo National Institute for Cellular Agriculture, um centro de pesquisas criado pela Universidade Tufts, em Massachusetts, que em outubro recebeu US$ 10 milhões do governo americano para estudar todos os aspectos da carne celular, desde sua produção até a aceitação pelo mercado. Ele prefere o termo carne cultivada. “Ela não tem nada de artificial, mesmo”, diz.
Mas Kaplan e outros reconhecem que o receio dos consumidores com relação a essa tecnologia continua sendo um problema. Numa pesquisa feita este ano pela Food Standards Agency, o órgão do governo britânico que regula a produção de alimentos no país, apenas um terço das pessoas entrevistadas disse que aceitaria provar a carne celular. Nos Estados Unidos, a aceitação é ainda menor: só 1 em cada 10 pessoas aceitaria experimentar esse tipo de carne, segundo um levantamento da empresa de pesquisas Mintel. A análise da empresa mostrou que o público jovem é mais aberto à carne cultivada. É por isso que empresas como a Aleph Farms, em Israel, estão recrutando membros da “geração Z” como embaixadores da carne celular.
Os primeiros produtos a chegarem ao mercado provavelmente serão uma mistura de proteína vegetal e carne celular (o que pode ajudar a reduzir a rejeição do mercado). Para Josh Tetrick, principal executivo da empresa Eat Just, que pretende lançar produtos do tipo, a aceitação é só uma questão de tempo. “Quando a comida congelada chegou ao mercado, as pessoas também a acharam bizarra”, diz.
Isha Datar é diretora executiva da New Harvest, uma organização sem fins lucrativos que financia pesquisas em agricultura celular. Em uma palestra no evento TED, que já foi vista 1,6 milhão de vezes, ela argumenta que cultivar células para fazer carne é uma oportunidade única de consertar os problemas do atual sistema de produção de alimentos. E pode ser tão revolucionário, afirma, quanto a transição da caça para a agricultura.
Mas ela adverte sobre um ponto: investidores e empresas têm controle demais sobre um processo que, assim como a produção da cerveja ou do queijo, ou o cultivo de verduras, não deveria ser tratado como propriedade intelectual. “O que acontece quando uma empresa é dona da fórmula da carne?”, questiona ela. “Isso pode ser muito bom, ou muito ruim.”
O cultivo de carne celular tem dois problemas centrais – que podem ser difíceis de superar.
Criar animais é um jeito muito, mas muito ineficiente de fabricar proteína animal. Um boi consome 25 calorias de pasto ou ração para cada 1 caloria de carne que o corpo dele nos fornece (o porco requer 15, e o frango consome 10). Cultivando células em laboratório, esse desperdício é muito menor: teoricamente, é possível produzir 1 caloria de carne celular usando apenas três ou quatro calorias de plantas. Você deve estar pensando: como assim plantas? A carne de laboratório não é 100% proteína animal? É, sim. Mas, para que as células se reproduzam, elas precisam ser colocadas em tanques cheios de aminoácidos e nutrientes. E essas coisas precisam vir de algum lugar.
Pode ser da soja, que é fácil e barata de plantar em grande escala. É barata, mas não é grátis. A soja teria de ser processada antes – e essa transformação, mais a adição de aminoácidos que são necessários (e ela não fornece), corresponderiam a 50% do custo da carne celular, segundo uma análise detalhada (1) feita pela consultoria americana DWH. Isso considerando um preço de US$ 37 por quilo de carne, que ainda está longe de ser comercialmente viável – e esse é o custo de produção, sem contar a margem de lucro do varejo.
Segundo o estudo, daria para reduzir as despesas fazendo alguns ajustes (como simplificar a estrutura das fábricas, dispensando a necessidade de “salas estéreis”, e tentar modificar processos celulares). O problema é que isso acaba reduzindo a produtividade – o que, na prática, aumenta o custo. Há uma “redução na eficiência metabólica, que limita a densidade celular e faz o custo estimado de produção exceder níveis economicamente sustentáveis”.
Mesmo se esse problema for superado, será difícil produzir carne celular em grande escala. Um segundo trabalho (2), elaborado pelo Good Food Institute (associação que reúne seis fabricantes do setor), imagina a construção de uma megafábrica, capaz de fazer 10 mil toneladas de carne por ano. Ela exigiria 430 tanques de 2.500 litros, 130 biorreatores (com 12 mil litros cada um), 15 tanques de armazenamento e mistura (60 mil litros cada) e vários outros elementos. Seria uma estrutura enorme, que custaria cerca de US$ 450 milhões.
Tudo isso para fazer 10 mil toneladas de carne celular, que no fim das contas representariam muito pouco – míseros 0,08% da produção total dos EUA (que é de incríveis 12 milhões de toneladas de carne bovina por ano; o Brasil, vice-líder global, produz 10 milhões). Ou seja: num futuro próximo, a carne celular será um produto de nicho, sem condições de competir em volume com a carne normal.
Também há questões de saúde envolvidas. Embora a carne celular seja teoricamente idêntica à comum, não há estudos avaliando o consumo dela por períodos prolongados – que pode ter efeitos ainda não conhecidos pela ciência. Foi o que aconteceu com outro grande avanço da indústria alimentícia: a gordura vegetal hidrogenada, ou gordura trans, que foi inventada no começo do século 20 – e se revelou, décadas mais tarde, causadora de vários problemas à saúde.