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MECANISMOS DE NEUROTOXICIDADE E DOENÇAS NEUROLÓGICAS RELACIONADAS À INTOXICAÇÃO POR METAIS PESADOS

Resumo

Os metais pesados estão intimamente ligados à manutenção da homeostase celular e podem causar toxicidade se a exposição ocorrer de maneira exacerbada. Alumínio, arsênio, mercúrio, cobre e zinco têm capacidade de causar lesões no sistema nervoso central e têm sido relatados como gatilhos no aparecimento de doenças neurodegenerativas como Parkinson e Alzheimer. A exposição exacerbada a esses metais também está relacionada com depressão, problemas cognitivos, autismo, compulsão e transtorno de déficit de atenção com hiperatividade – TDAH. A ação de poluentes e de substâncias tóxicas ao meio ambiente e à saúde do homem torna-se cada vez mais um preocupante fator a ser estudado, especialmente no que se refere às doenças neurodegenerativas. Frente a esta realidade, a presente revisão foi desenvolvida com o objetivo de apresentar alguns dos principais fatores ambientais e nutricionais envolvidos na toxicidade e no aparecimento de danos ao sistema nervoso central.

Palavras-chave: metais pesados, sistema nervoso central, alumínio, arsênio, mercúrio, cobre e zinco.

Introdução

Os metais pesados podem ser definidos de diferentes maneiras: densidade, número ou peso atômico e propriedades químicas ou de toxicidade. As fontes potenciais de exposição a esses metais incluem fontes naturais como águas subterrâneas e minérios metálicos, processos industriais, produtos comerciais, remédios populares e alimentos contaminados. Entre os metais pesados que possuem sérias implicações para a saúde estão arsênio, alumínio, mercúrio, zinco e cobre.

Quando os metais pesados entram em contato com o organismo humano, através de alimentos, água potável ou ar, formam complexos celulares que inativam sistemas enzimáticos ou modificam estruturas de proteínas, conduzindo a disfunção e morte celular. Os sistemas mais afetados são sistema nervoso central, trato gastrointestinal (GI), sistema cardiovascular, hematopoiético, renal e sistema nervoso periférico. A natureza e gravidade da toxicidade variam de acordo com o metal pesado envolvido, os seus níveis de exposição química e estados de valência (inorgânicos contra orgânico), o modo de exposição (aguda contra crônica), a idade do indivíduo e o tempo de exposição.

A toxicidade induzida por metais pesados tem sido extensivamente estudada, assim como o aumento da produção de radicais livres quando há exposição a esses metais. Os metais pesados têm um potencial para a produção de partículas químicas altamente reativas, tais como radicais livres, que têm a capacidade de causar peroxidação lipídica, danos ao DNA e degradação proteica, fato que destaca o estresse oxidativo como um dos principais mecanismos subjacentes à toxicidade do metal pesado.

O sistema nervoso central é um dos sistemas mais afetados pela exposição exacerbada a esses metais de elevado número atômico. A alteração na homeostase de metais no cérebro foi identificada como um dos fatores chave para a progressão de doenças neurodegenerativas. Metais como alumínio, arsênio, zinco, cobre e mercúrio foram observados como elementos envolvidos na patogênese de desordens neurológicas. Doenças neurodegenerativas, como Parkinson e Alzheimer, assim como depressão, problemas cognitivos, autismo, compulsão e transtorno de déficit de atenção com hiperatividade (TDAH) têm sido amplamente relacionadas com os danos causados por metais pesados no sistema nervoso central.

Sendo tema de importância na nutrição humana, frente à alta toxicidade e capacidade que os metais pesados apresentam para induzir o desequilíbrio celular, e considerando a água e os alimentos importantes veículos para a contaminação, este artigo de revisão foi desenvolvido para demonstrar os mecanismos envolvidos na neurotoxicidade e associar a exposição a esses metais com o aparecimento de doenças neurológicas, a fim de auxiliar os profissionais da área na conduta nutricional do paciente que apresente níveis excessivos de metais no organismo.

Alumínio

O alumínio é um dos metais pesados mais estudados, por estar relacionado com o desenvolvimento de muitas doenças e por ser encontrado de forma tóxica no ambiente, na indústria e em produtos alimentares. A contaminação com este metal pode causar alterações esqueléticas, hematológicas e/ou neurológicas. É através da ruptura da homeostase de metais como magnésio, cálcio e ferro que o alumínio desencadeia muitas alterações bioquímicas. A exposição humana ao alumínio é atribuída principalmente à sua ampla disponibilidade na natureza e às fontes artificiais existentes. A toxicidade pode ser causada de forma direta ou indireta: na forma direta, através da genotoxicidade em células neurais primárias; e, de forma indireta, por meio do acúmulo de ferro e da produção de espécies reativas de oxigênio, EROs.

Dano oxidativo ao DNA foi previamente associado com neurodegeneração em diferentes regiões do cérebro de rato. Vanduyn et al. demonstraram, em 2013, que os transportadores mediados por alumínio possuem associação positiva com a degeneração de neurônios dopaminérgicos.

Estudos mostraram que o alumínio é o maior agente etiológico da doença de Alzheimer. Investigações bioquímicas microscópicas elucidaram claramente a correlação entre alumínio e Alzheimer. O mecanismo exato pelo qual a interação molecular com alumínio desencadeia a progressão da doença ainda precisa ser totalmente elucidado.

Estudos também têm revelado que o acúmulo de alumínio no cérebro pode causar várias alterações neuropatológicas, comprometimento no sistema de neurotransmissão e, progressivamente, déficits de comportamento. Os cientistas também têm demonstrado que a exposição ao alumínio pode prejudicar o funcionamento normal do sistema antioxidante e desregular os mecanismos de apoptose celular, assim como o metabolismo de hidratos de carbono e de lipídeos no cérebro.

Mais recentemente, pesquisadores descobriram que o alumínio pode interromper a homeostase do cálcio nos neurônios por meio da interação com os sítios de ligação de cálcio. Além disso, estudos também indicam que a alteração da concentração de cálcio no cérebro está associada com neurodegeneração, bem como com deficiência de memória e aprendizagem. Embora várias teorias tenham sido propostas para desvendar esse mecanismo, ainda não se sabe ao certo como esses danos são causados.

Arsênio

O arsênio é encontrado naturalmente no meio ambiente como produto de erosão geológica, mineração, resíduos industriais e adubos com arsênio. Além dessas fontes citadas, o consumo de alimentos contaminados, a inalação de ar poluído pela combustão de carvão e o fumo do tabaco têm sido relatados como fontes de contaminação por arsênio. Os problemas relacionados à saúde causados pelo metal dependem da forma, da dose, da frequência e do tempo de absorção. Podem variar desde lesões na pele até problemas respiratórios, doenças cardiovasculares, distúrbios neurológicos e câncer. Com relação ao sistema nervoso central, observa-se que o arsênio parece ter efeitos tóxicos sobre os neurotransmissores envolvidos na sinalização celular.

Mejia et al., em estudo com administração de arsênio e chumbo através de sonda gástrica em ratos adultos por 14 dias, demonstraram que o arsênio induziu aumento dos níveis de dopamina, serotonina e seus metabólitos e também induziu um decréscimo nos níveis de norepinefrina. O consumo de arsênio por filhotes de ratos levou à diminuição da acetilcolinesterase (AChE), uma enzima importante para o metabolismo da acetilcolina. A diminuição de AChE foi encontrada mesmo após um período de recuperação sem exposição contínua ao arsênico, sugerindo a irreversibilidade dessa situação.

Nagaraja et al. demostraram, a partir do marcador glutamato descarboxilase GAD, que o arsênio pode causar alterações nos níveis de glutamato. Foi encontrada atividade diminuída no tronco cerebral, no cerebelo e no hipotálamo de ratos expostos a 5 mg/kg de arseniato de cálcio por 60 dias, enquanto o teor de glutamato estava aumentado no córtex motor e no hipocampo de ratos expostos à mesma quantidade de arsênio pelo período de 90 dias.

Em ratos expostos a uma mistura de arsênio, cádmio e chumbo desde o desenvolvimento uterino até 2 meses de idade, Rai et al. observaram o aumento da apoptose e a má formação de astrócitos. A degeneração dos axônios e a desmielinização das fibras foram encontradas em exames histológicos após exposição ao arsênio.

O estresse oxidativo também tem sido relatado como possível mecanismo responsável pelo potencial carcinogênico do arsênio e pode, igualmente, desempenhar um papel na neurotoxicidade. Um estudo com foco no estresse oxidativo mostrou aumento da peroxidação lipídica, diminuição dos níveis de glutationa e redução da atividade das enzimas superóxido redutase e superóxido dismutase.

Não existe consenso absoluto no resultado das mudanças causadas pela exposição ao arsênio, porém acredita-se que a exposição pode levar a efeitos negativos na cognição.

Mercúrio

O mercúrio é um metal encontrado nas formas orgânica e inorgânica, utilizado em diferentes áreas como indústria, odontologia, farmacologia, mineração de ouro e agricultura. Um dos exemplos do uso de mercúrio é na indústria de papel, na eletrólise de solução de cloreto de sódio na produção de soda cáustica e de cloro gasoso. O mercúrio também é amplamente utilizado na indústria elétrica (lâmpadas, retificadores e células de bateria), em instrumentos comuns de casas e de indústrias (interruptores, termostatos, barômetros), em laboratórios (conservantes de vacinas) e em instrumentos médicos.

Um dos principais contaminantes crônicos desse metal são as amálgamas odontológicas, utilizadas para preenchimento de dentes, as quais contêm uma grande quantidade de mercúrio.

Devido ao seu alto potencial toxicológico, o mercúrio foi demonstrado como elemento causador de alterações pós-natais, como atraso do desenvolvimento ou outras alterações neurológicas, nos filhos de mulheres expostas ao mercúrio durante a gravidez. Por isso, é importante analisar como a intoxicação por esse metal está presente em grávidas e em indivíduos com exposição exacerbada, seja em função do trabalho ou da presença de amálgamas ao longo de anos.

Foi constatado que a exposição crônica ao mercúrio pode causar perdas na função renal e danos neurológicos. Segundo Olivares, são sintomas decorrentes da intoxicação por esse metal as lesões no sistema nervoso central, como: perda da coordenação motora; alteração da fala e do andar, com indicativos de tremores de extremidades; alterações no equilíbrio; diminuição do campo visual e cegueira. Síndrome neuropática, mudança de personalidade, delírio e danos mentais também foram relatados. O efeito neurotóxico do mercúrio se dá por sua capacidade de circular facilmente pelo organismo e devido à sua lipossolubilidade, que lhe permite atravessar a barreira hematoencefálica, acumulando-se, assim, no tecido nervoso e provocando danos. Isso porque o vapor de mercúrio sofre biotransformação no tecido neuronal para o cátion mercúrico (Hg+2), que pode induzir alterações de proteínas estruturais, de enzimas e de neurotransmissores (como o glutamato). Tem sido relatado que o Hg+2 inibe seletivamente a captação sináptica de glutamato nos neurônios do cérebro, o que está associado ao dano.

Também o metilmercúrio, principal fonte de mercúrio orgânico, é um potencial contaminante. Ele entra na cadeia alimentar por meio da bioacumulação no ambiente, atingindo concentrações elevadas entre as populações de algumas espécies. As espécies maiores de peixes, como o atum, geralmente são de maior preocupação do que as espécies menores, por isso é importante selecionar alimentos levando em conta seu nível de exposição a xenobióticos e risco de contaminação.

Cobre

O cobre é um metal de transição que, semelhante ao ferro, participa na cascata da geração de radicais livres como um catalisador na reação química de Fenton. Estudos mostraram que a exposição exacerbada ao cobre está intimamente ligada à degradação dos neurônios dopaminérgicos, uma vez que o cobre é catalisador da oxidação da dopamina. Isso é especialmente importante em áreas do cérebro que metabolizam aminas biológicas tais como a dopamina, porque o peróxido de hidrogênio é um subproduto do metabolismo da monoamina oxidase.

Alguns estudos têm relatado que concentrações de cobre no líquido cefalorraquidiano (LCR) são maiores em pacientes com doença de Parkinson do que no grupo controle. O cobre livre no LCR pode ser relacionado com variáveis clínicas, além de ser marcador bioquímico da doença de Parkinson. A doença de Parkinson é uma desordem neurodegenerativa progressiva que é caracterizada clinicamente pela perda seletiva dos neurônios dopaminérgicos na substância negra e pela deposição de α-sinucleína em corpos de Lewy intracelulares em diversas regiões do cérebro. A presença de grande concentração de cobre e de dopamina na substância negra sugere que a interação entre essas espécies pode contribuir de maneira importante para a degradação dos neurônios dopaminérgicos e para a progressão da doença de Parkinson.

Em um interessante estudo in vitro, Spencer et al. demonstraram que os íons de cobre facilitam a oxidação da dopamina e outras catecolaminas, tais como L-DOPA e 6OH-dopamina. Observou-se, nesses estudos, que os complexos resultantes de produtos de oxidação do cobre e da dopamina parecem causar danos intensos ao DNA.

Zinco

O excesso de zinco está ligado ao aparecimento da doença de Alzheimer e pode provocar danos e morte de neurônios por meio de três mecanismos não mutuamente excludentes: excitotoxicidade, indução de estresse oxidativo e prejuízo de geração de energia. Com relação à excitotoxicidade, acredita-se que o influxo de excesso de zinco resulta em danos excitotóxicos em neurônios pós-sinápticos, danos estes mediados pela ação do zinco sobre os receptores de glutamato e outros canais iônicos. O zinco se liga em locais alostéricos, impedindo a ligação do glutamato. Essa baixa regulação é seguida por uma regulação positiva da tirosina quinase, mediadora da atividade dos receptores de glutamato, o que parece causar citotoxicidade e lesão neuronal.

O excesso por meio de suplementação excessiva também tem sido demonstrado na geração de estresse oxidativo por radicais livres e espécies reativas de oxigênio (EROs), que conduzem a dano e morte neuronal. Verificou-se que a combinação de oxidação relacionada com a idade e acúmulo de zinco pode, sinergicamente, promover o envelhecimento e a neurodegeneração. O excesso de zinco leva à produção de EROs, através do mecanismo de regulação neuronal de proteína quinase C (PKC). Observou-se que, quando estimulada com zinco, a PKC aumenta a expressão da enzima NADPH-oxidase. O zinco também facilita a translocação das subunidades da NADPH-oxidase p47phox e p67phox para a membrana neuronal, onde participam na geração de EROs. Além de estimular a NADPHoxidase, o zinco pode também estimular as RNA polimerases PARP, que podem desencadear processos de apoptose.

O excesso de zinco pode prejudicar a produção de energia celular. Atualmente, acredita-se que seu papel na glicólise neuronal é que o excesso de zinco reduz rapidamente os níveis celulares de dinucleotídeo de nicotinamida e adenina (NAD+). Essa redução de NAD+ não é apenas responsável pela atividade reduzida da enzima gliceraldeído-3-fosfato desidrogenase (GAPDH), levando ao acúmulo de fosfato de dihidroxiacetona (DHAP) e de frutose 1,6-bifosfato, como também é responsável pela redução dos níveis de ATP e morte neuronal subsequente. A redução de NAD+ reduz a produção de ATP celular não apenas porque inibe a atividade de enzimas glicolíticas, mas também pela inibição de enzimas resultantes da atividade respiratória mitocondrial. De fato, vários estudos relataram a redução do NAD+ e também das enzimas dependentes de NAD+, como a alfa-cetoglutarato desidrogenase e isocitrato desidrogenase, bem como de outras enzimas mitocondriais, incluindo succinato desidrogenase e aconitase.

É importante lembrar que, por outro lado, o zinco é comprovadamente um agente eficaz contra condições tóxicas induzidas por xenobióticos e metais no cérebro. Estudos in vivo e in vitro indicaram que o zinco possui ações antioxidante e antiapoptótica no sistema nervoso central. Dessa forma, verifica-se novamente a importância da homeostase dos metais para evitar danos celulares.

Conclusão

De acordo com os dados supracitados, percebe-se que os metais pesados participam diretamente nas lesões neurológicas e no aparecimento de doenças relacionadas ao sistema nervoso, principalmente Alzheimer e Parkinson. O potencial toxicológico e a irreversibilidade de muitas das lesões causadas servem de alerta para que os profissionais da área de saúde aconselhem e indiquem um estilo de vida em que seja evitada a exposição a contaminantes. Para comprovar a necessidade de diminuir a exposição dos indivíduos a metais pesados, pode-se citar as mudanças realizadas pela indústria, que vem diminuindo a utilização desses elementos como matérias-primas de produtos que estarão em contato com os seres humanos – um exemplo disso é a substituição da amálgama odontológica. Conhecer melhor os mecanismos bioquímicos envolvidos nos danos neurológicos também são importantes para a adaptação da conduta nutricional do paciente. Uma vez que o estresse oxidativo está intimamente ligado aos danos celulares, pode-se constatar que uma dieta rica em antioxidantes poderia auxiliar na manutenção da homeostase nesses indivíduos. Infere-se, assim, que é de extrema importância evitar a exposição exacerbada a esses metais e manter um estilo de vida saudável, com uma alimentação equilibrada, para evitar danos neurológicos e o aparecimento de doenças neurológicas crônicas que tanto prejudicam a qualidade de vida dos indivíduos.

Metais Pesados

 

 

 

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