Os opositores dizem que a produção de carne celular ignora a natureza e a cultura humanas e pode trazer riscos à saúde, criando potenciais alérgenos e subprodutos que não foram testados – bem como resíduos que podem representar risco biológico. E também ignora técnicas agrícolas consagradas. “Se, por algum motivo, uma pessoa quer evitar proteína animal, por que não simplesmente comer plantas, e alimentos feitos de plantas?”, questiona Alan Lewis, diretor da rede de supermercados Natural Grocers. “A obsessão com o sabor e a textura da carne, eu consigo entender. Mas dar um salto no escuro, e consumir proteínas sintéticas, me parece totalmente desnecessário.”
O chef José Andrés, que tem restaurantes em sete cidades dos EUA (um deles, em Washington DC, premiado com duas estrelas no Guia Michelin), vê potencial na carne celular, e pretende servi-la em um de seus estabelecimentos assim que ela for lançada nos EUA. Recentemente, ele passou a fazer parte do conselho administrativo da Good Meat, uma empresa que comercializa ovos veganos (eles são vendidos na forma líquida, numa embalagem de 350 ml, e feitos com um tipo de ervilha). Foi a Good Meat que, em 2020, forneceu carne celular para o restaurante de Cingapura.
Já a Upside Foods assinou um contrato de vários anos com a chef Dominique Crenn, cujo restaurante em São Francisco tem três estrelas (a nota máxima) no Guia Michelin. Atualmente, ela não serve frango nem carne bovina, mas disse que vai incluir o frango celular em seu menu assim que ele estiver disponível.
Quando foi procurada pela empresa, no ano passado, Crenn diz que sua reação inicial foi: “de jeito nenhum”. Mas aí pensou a respeito e mudou de ideia. Ela diz que não é contra a carne em si. “Eu sou contra a criação de animais em escala industrial, que não é sustentável.” Quando provou o peito de frango celular pela primeira vez, Crenn diz que achou a textura um pouco “aguada”. Mas o sabor lembrava o do poulet rouge, uma ave típica da França.
Michal Ansky, apresentadora do programa “MasterChef Israel” e dona de algumas lojas de comida, também é fã. Ela experimentou o frango de células-tronco durante um teste cego organizado pela SuperMeat, uma das empresas israelenses que estão desenvolvendo essa tecnologia.
Os participantes compararam o frango comum e o celular, ambos moídos, sem saber qual era qual. Ansky achou a versão celular mais gostosa, e se converteu à causa. “Se a minha avó ainda estivesse viva, e pudesse fazer sua canja com frango de laboratório, muitas vidas seriam salvas.” Daqui a 20 anos, diz ela, as sociedades do futuro “vão olhar para nós como pessoas malucas, que assassinavam galinhas”.
Já o chef Dan Barber, sócio da rede de restaurantes Blue Hill, em Nova York, diz que a comida criada em laboratório não beneficia ninguém a não ser os investidores, e ignora os benefícios ambientais e fitoquímicos que surgem quando os animais pastam, o que se traduz em uma carne mais gostosa e nutritiva. “O que importa não é o boi em si, é como você o cria”, diz ele.
A ascensão meteórica das carnes feitas de planta abriu as portas para a agricultura celular. Faz apenas seis anos desde que a Impossible Foods lançou seu hambúrguer feito com hemoglobina de soja, que imita o sangue da carne. O McDonald’s está testando o McPlant, e o KFC já vende nuggets vegetais produzidos pela empresa Beyond Meat.
A carne cultivada é completamente diferente. Ela começa com células-tronco obtidas na biópsia de um animal, em um óvulo ou até mesmo numa pena. Elas se multiplicam rapidamente em um tanque de metal chamado de biorreator, ou cultivador. As células se alimentam de um caldo complexo, que contém nutrientes como carboidratos e aminoácidos, e algum “fator de crescimento”, para se transformarem em músculos, gordura ou tecidos conectivos. O sabor e as características nutricionais dessa carne dependem da seleção das células, e do caldo no qual elas crescem.
Fazer um produto que pareça carne moída é mais fácil do que replicar cortes tradicionais. Para criar algo que se pareça a um bife ou uma costeleta, algumas empresas usam um “suporte comestível”, ao qual as células vão grudando. Cientistas também estão experimentando com uma tecnologia de impressão 3D, que originalmente foi desenvolvida para reconstruir tecidos humanos, mas também pode ser usada para transformar camadas de músculo e tecido adiposo em bifes.
Mas e o sabor? Na cozinha da Upside Foods, eu provei um patê de frango que estava ligeiramente arenoso, e um hambúrguer de frango celular misturado com proteína vegetal, que fritou direitinho. Estava bem temperado, mascarando o sabor da carne.
O peito de frango que eu comi é formado por células que se agruparam em pequenas fibras de carne – e então foram prensadas, sobre moldes de plástico, para ficar mais ou menos com o formato e o tamanho de um peito pequeno. Ele tinha menos textura, mas muito mais sabor do que um peito de frango comum, daqueles de supermercado. A maior diferença foi como a carne reagiu na frigideira. Conforme ela fritava e escurecia, sua superfície parecia mais uma carne moída do que um músculo de verdade, com fibras contínuas.
A carne celular pode ser chamada de carne? Há uma polêmica sobre isso. A associação de criadores bovinos dos EUA pediu ao governo americano, em 2018, que reservasse a definição de “carne” e “bife” só para produtos derivados de animais nascidos, criados e sacrificados da maneira tradicional. O pedido foi negado. Então os governos estaduais se meteram no tema. Na Geórgia, por exemplo, os produtos celulares devem ser classificados como “cultivados em laboratório” ou “criados em laboratório”.
A maioria das empresas do setor prefere o termo “carne cultivada”. Alguns ativistas de direitos animais usam os termos “carne sem sacrifício”, ou “carne limpa”. Fazendeiros, cozinheiros e outras pessoas que se opõem a ela costumam chamá-la de carne sintética, falsa ou “projetada”. O debate deve se resolver, pelo menos no aspecto jurídico, quando o ministério da Agricultura definir o que deverá vir escrito nos rótulos desses produtos.